Arin não caçava para comer. Ele caçava para ser visto.
No centro da aldeia, sob a luz impiedosa do ope — o sol que, a pino, castigava a terra vermelha —, o jovem guerreiro deixou sua carga cair. Não houve cuidado. Os três macacos e o passarinho de plumagem despedaçada bateram no chão seco com um ruído surdo, um baque de carne que já não guardava espírito. Mais ao lado, jogou uma cutia que nem sequer tivera tempo de correr para a toca.
Os animais não tinham marcas de dentes de onça. Tinham o corte limpo, feito pelo vento, da flecha de Arin.
Ele limpava o sangue das mãos na relva, mas seus olhos — os miri negros e inquietos — não buscavam a caça. Varriam os rostos dos outros, exigindo reverência. Ele era rápido. Ele acreditava ser maior que a própria floresta.
— Você traz uma carne que vai apodrecer, Arin.
A voz do ancião soou como folhas secas sendo pisadas no outono. O velho avô apoiava-se em seu bastão, mas não olhava para o jovem. Olhava para os corpos amontoados com pesar profundo.
— A morte sem fome é veneno — continuou o ancião, a voz áspera. — Você alimenta a terra com sangue que ela não pediu. A terra vai devolver o que você deu.
Arin riu. O som foi curto, seco, sem alegria.
— O avô tem medo de entrar onde a sombra é fria. Eu não. A mata me obedece porque sou forte. Meu arco é a lei lá dentro.
Ele tocou a madeira lisa de sua arma como se fosse um cetro de domínio.
— Hoje vou trazer a ponan — anunciou, estufando o peito para que as mulheres vissem. — Vou trazer a pele da onça para cobrir minha esteira. Não porque preciso. Mas porque posso.
O ancião apenas fechou os olhos e murmurou uma palavra antiga, um lamento ao Grande Espírito D’okôra pelo destino daquele que não ouve.
— Krokon… O espírito dele adoeceu.
Arin virou as costas. O cheiro de sangue fresco em suas mãos não o incomodava; pelo contrário, tinha o gosto salgado de sua própria grandeza. Ele caminhou em direção à linha das árvores e foi engolido pelo verde escuro, quase preto, da mata profunda.
A floresta, naquele dia, parecia prender a respiração. O que Arin notou primeiro foi o som. Ou a ausência dele. Geralmente, a entrada na mata era recebida com a algazarra das cigarras. Mas hoje, o silêncio era pesado, sólido como uma rocha, uma dura kua. As cigarras haviam se calado na passagem dele, como se sua presença fosse uma ofensa.
Seus passos, habitualmente silenciosos, pareciam trovões esmagando a folhagem seca. O som o denunciava a cada passo, a distância de um grito.
Caminhou até que o sol desceu, filtrando uma luz enferma através das copas das árvores. Foi então que a visão começou a traí-lo.
Arin viu o vulto manchado a muitos passos de distância. A ponan estava parada. Ouro vivo manchado de noite. Ela o olhava diretamente.
Sentiu o fogo nas veias. Tensionou a corda do arco. A madeira rangeu, familiar. O mundo ao redor desacelerou. Arin não via árvores, não via chão; via apenas o pescoço do animal pulsando.
Soltou.
O assobio do tiro cortou o ar, perfeito. Mas quando a flecha atingiu o alvo, não houve o som úmido de carne rasgando.
Houve um som oco. Toc. Madeira batendo em madeira.
Diante de seus olhos, a onça não fugiu e não caiu. Ela envelheceu. O pelo dourado tornou-se casca cinzenta, os músculos tornaram-se nós de árvore, os olhos viraram musgo. Em um fôlego, o bicho desfez-se em um tronco podre, morto há muitas luas.
Arin piscou, os olhos ardendo com o suor.
— Um truque de luz — resmungou, a boca seca. — Meus olhos mentem.
Tentou engolir saliva, mas sua garganta parecia cheia de areia, o áspero kavili. A sede chegou de repente, violenta, como se a umidade de seu corpo tivesse sido sugada pela terra.
Precisava de água. Correu até onde sabia que havia um córrego, um ñamanrora, afastando os cipós com violência, rasgando a pele dos braços nos espinhos. A dor foi aguda, mas ele ignorou. Chegou ao leito do riacho.
Seco.
Apenas pedras quentes e barro rachado, feridas abertas no chão da floresta.
— O mundo está errado — sussurrou. — A namankohu, a chuva, caiu ontem. Eu vi.
Ele se ajoelhou e cavou o barro com as mãos, desesperado. Cavou até suas unhas se partirem, até seus dedos sangrarem misturando o vermelho ao marrom da terra. Negava o que via. Cavava em busca de uma memória de água.
Nada. Nem uma gota. Ao levantar a cabeça, a mata pareceu girar. As árvores não estavam mais onde deveriam estar. O caminho de volta havia sumido, fechado por uma parede de raízes.
A noite caiu como uma manta sobre o mundo. Agora, Arin não era o caçador.
O escuro trouxe o ñamaytu, um frio que não vinha do ar, mas de dentro dos seus ossos. Tentou fazer fogo, mas suas mãos tremiam tanto que a pederneira escapava. A madeira, seca, recusava-se a pegar a chama. Era como se o calor o rejeitasse.
Sentou-se na escuridão, abraçado aos próprios joelhos. A fome veio em seguida. Uma garra revirando-o por dentro, uma dor física que o dobrava ao meio.
Lembrou-se do macaco que matara mais cedo e deixara pendurado na cintura, por pura vaidade. Com mãos trêmulas, tateou na escuridão até encontrar o corpo frio do animal. Não havia fogo, não haveria cozimento; a necessidade o reduzia à fera que ele desprezava. Levou a carne crua à boca, a saliva antecipando o ferro do sangue.
Seus dentes romperam a pele. Mas não houve resistência de músculo, nem suco de vida.
A boca de Arin encheu-se de pó. Seco. Morto.
Ele engasgou, tossindo uma nuvem cinzenta que cheirava a tempo esquecido e fogueiras extintas. A caça, sua preciosa caça, desmanchava-se entre seus dedos como um ídolo de barro pisado.
Cuspiu, tentando limpar a língua, mas o gosto permanecia: não era gosto de podre, era gosto de nada.
A floresta havia recolhido a nutrição. Para Arin, restava apenas a casca oca do mundo. Vomitou o fel, o gosto amargo de sua própria arrogância.
— Krokon… — choramingou. O mal. Mas não era um demônio externo. Era ele mesmo.
Ouviu passos. Pesados. Não eram passos de gente. Eram passos de onça.
Arin levantou-se, cambaleando. Não via nada, apenas o pehuona, o preto absoluto da escuridão. Mas sentia. O tato de sua pele arrepiava com a proximidade de algo imenso.
— Umahan? — gritou para o vazio. — Quem está aí?
O eco devolveu sua própria voz, distorcida, menor. Preparou-se para atirar. Esticou a corda do arco no escuro, apontando para o som, trêmulo.
— Eu sou Arin! — gritou, a voz falhando, tentando preencher o silêncio com seu nome. — O maior caçador!
A corda do arco estalou.
Não porque ele a soltou, mas porque ela se partiu sozinha. O chicote da fibra rompida cortou seu rosto, abrindo um talho na bochecha.
O sangue quente escorreu, misturando-se às lágrimas e caindo na terra. Finalmente, ele dava algo à floresta.
Seu arco, sua identidade, estava quebrado. Caiu de joelhos. Sem arma. Sem visão. Sem água. Sem comida.
A respiração da fera estava no seu rosto agora. Podia sentir o hálito quente. Arin encolheu-se, esperando as presas, esperando o fim.
Mas não havia cheiro de carne podre ou sangue nela. Havia cheiro de terra molhada, chuva e ervas pisadas.
A onça não ia comê-lo. A ponan estava ali apenas para ver se ele ainda tinha alma. O animal cheirou seu medo, cheirou seu vazio, e bufou com indiferença. Arin não era digno nem de ser caça.
Arin fechou os olhos feridos. Entendeu. A floresta não estava lutando contra ele; estava apenas segurando um espelho.
A secura do rio era a secura de sua compaixão. A podridão da carne era a podridão de sua vaidade.
Encostou a testa no chão sujo, sentindo a vibração profunda da terra.
— Axê Xutê… — sussurrou. — A terra é boa. Eu que não sou.
Não pediu para viver. Pediu perdão. O sono veio pesado e sem sonhos, cobrindo-o como uma folha seca que cai no inverno.
Acordou com o toque úmido do orvalho na madrugada silenciosa. O sol nascia, lavando o céu de um azul límpido.
Estava bay, vivo.
A sede passara, saciada pela água do riacho que, misteriosamente, voltara a correr, cantando entre as pedras. Mas a fome agora era real, aguda, lembrando que ele era carne e precisava da carne para continuar.
Olhou para o seu arco caído na terra. A corda estava arrebentada. O antigo Arin teria chutado a madeira, amaldiçoado a má sorte. O novo Arin, com o rosto marcado pelo sangue seco do corte — sua cicatriz de iniciação —, apenas respirou fundo.
Com paciência, buscou um cipó resistente, um mbratehi.
Sentou-se na terra fria e começou a fiar uma nova corda.
Seus dedos, antes apressados, agora trabalhavam com o ritmo lento das raízes. Torcia as fibras, sentia a textura, pedia resistência. Ele não impunha sua vontade ao cipó; pedia licença para usá-lo. Cada nó era um pedido de desculpas.
Quando o arco estava pronto, o teste veio. Um veado saiu da mata fechada para beber no riacho.
Era um animal magnífico, de pelo castanho e olhos grandes e úmidos. O coração de Arin disparou, mas não com a ganância da conquista. Disparou com o peso do que precisava fazer.
Levantou o arco. A flecha parecia pesar o dobro do que pesava ontem.
— Immi matu… — sussurrou para o vento. O corpo é bonito. A vida daquele animal era bonita.
Não pensou na glória de chegar à aldeia com a presa. Pensou na criança que chorava de fome na cabana vizinha. Pensou no velho avô que precisava de caldo forte para suportar o inverno.
Puxou a corda. Desta vez, não mirou com soberba. Mirou com gratidão.
— Perdoe-me, satê — murmurou, chamando o bicho de irmão, antes de soltar os dedos. — Seu sangue será a nossa vida.
A flecha voou silenciosa. O abate foi instantâneo, limpo. O animal caiu sem sofrimento, devolvendo seu fôlego à mata.
Arin não gritou. Não ergueu os braços. Caminhou até ele, ajoelhou-se e tocou o pelo ainda quente. Fechou os olhos e fez a prece silenciosa, agradecendo a troca sagrada: uma luz se apaga para que a aldeia permaneça acesa.
Colocou o animal sobre os ombros. O peso era imenso. As patas do veado batiam em seu peito, marcando-o com o sangue da oferenda. Mas aquele peso não o curvava; aquele peso o firmava no chão.
O retorno à aldeia foi lento, no tempo das coisas que crescem.
Quando rompeu a linha das árvores e entrou no pátio central, o sol já estava alto. As pessoas pararam o que estavam fazendo. Viram Arin, sujo de barro e sangue, com o rosto cortado e os olhos fundos de quem viu o outro lado.
Mas sobre os ombros, trazia o sustento.
Não jogou o animal no chão para ser admirado. Caminhou com respeito até o centro, onde as mulheres preparavam o fogo, e depositou a caça sobre a esteira de palha, com o cuidado de quem deposita uma criança adormecida.
O velho antah aproximou-se. Olhou para o animal, viu o tiro preciso, viu o respeito na morte. Depois, olhou para os olhos de Arin.
Não havia mais o brilho febril da vaidade. Havia a serenidade escura de quem encarou a própria sombra e sobreviveu.
— A txori foi dura? — perguntou o ancião, referindo-se à mata.
— Não. Apenas justa — respondeu Arin, a voz rouca. — Ontem, eu cacei para Arin, e a mata me deu pó. Hoje, eu cacei para a aldeia, e a mata me deu vida.
Ele tocou o flanco do animal morto.
— Isso não é um troféu, avô. É um presente.
O avô assentiu, pousando a mão enrugada no ombro do jovem guerreiro.
— Matu. Isso é bonito.
Naquela noite, a aldeia comeu. O cheiro da carne assada, o mbôri, subiu aos céus junto com a fumaça. Arin comeu também, em silêncio, saboreando cada pedaço com uma reverência que ele nunca conhecera.
Ele sabia agora que a flecha não servia para torná-lo maior que os outros. A flecha era apenas a agulha que costurava a vida dele à vida da floresta.
E ele nunca mais atirou sem antes pedir licença.

